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17/11/2015

nada

oh morrer

não sei se será possível, quando morra,
voltar para ver quem ficou com as minhas roupas

quem ficou com as memórias
do meu suor transcendente

de tentar ser feliz,
sem nunca saber como

lutar contra o mar, mas
apaixonar-me por ele.

que, quando morra, a minha campa
seja decorada de conchas:

nada é mais eterno que as ondas...
e o meu peito é água.

28/09/2015

amor

estou cansada de que a vida seja entendida como superfície quebrada, como copo partido sem vinho, e toda uma panóplia de negativismo estendido. que um bom filme seja mau e que a boa música trema.
quero só sentir que tudo é bonito por uma vez só...
não sei onde anda o meu amor; já não está no mesmo corpo. já não está na mesma boca...

07/09/2015

não saio - não fico

olho para o meu corpo despido ao espelho, à espera que surja um ciclo de imperfeição que me convença de que a procura por algo, além da fraca existência, faz sentido.

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estou convencida.
as cores do céu e do chão trocam-se; desmaio sem amparo; apago-me do dia corriqueiro porque não sinto a capacidade de sequer tocar-me sem sentir pena de mim. apreciava com mais orgulho um tal nojo, falta de misericórdia, ou medo. mas tenho só pena. pena de ser quem sou por quem fui. não espero dele mais que isso, não espero menos. queria só que não tivesse acontecido.
o ser humano resolve-se ao não se resolver. esquece-se da sua casa deixando-a, e esquece-se do seu amor fugindo dele. ele fugiu de mim e esqueceu uma poeira do meu ser, que eu não queria que fosse embora. mas já está. já se fez. já comecei a partir, dei um passo no escuro com o pé esquerdo e agora não sei se alguma vez vou reaver esse sapato.
quem me dera ter fé. olhar para cima e acreditar que há algo maior que eu e maior que tudo, algo que me pudesse dar a sorte de fazer o tempo voltar até ao dia.
o dia...
o dia enfeitiçado por um roubo.
foi-me então roubado o único pedaço de crença que construí em mim, a única parte boa que os meus olhos pousaram em cima de si mesmos; sem isso não sei como andar na rua sem olhar para baixo à espera de cair.
recuso, no entanto, a hipótese de ir embora para esquecer. acho que num misto de compaixão e ternura não me vejo a partir, nem a ficar. não saio com medo da solidão. não fico totalmente, com receio de me entristecer.




26/08/2015

ele sabia-a poética, deitada na cama com os pés descobertos dos lençóis. tal canção em francês emoldurava os seus cabelos. 
ao caminhar, para seu infortúnio, ele deixara cair a conexão com o mundo. deitaram-se ao lado um do outro, em tons de amarelo e vermelho; o momento veste-se do som circundante d'uma má e rouca coluna vertendo melodias repetidas.
parados, envoltos num momento fotográfico - ela recebe subtis carícias que sustêm a gravidade por cima das suas costas, e sem dizer uma palavra, escuta a boca dele sugando breves pedaços de um cigarro de filtro em cartão, distribuindo os sinais de fumo pelo quarto vazio de vozes. era capaz de descrever só pelo som dos lábios, a complexa invenção que é aquele ser humano, que fuma porque precisa de fumar e porque conversa porque precisa de conversar. 
e no peito magro (embora de uma simbólica força) distribui estas cinzas à falta de cinzeiro perto. ele é a sua própria desarrumação arrumada.

24/08/2015

só espero esquecer-me de que não sou apta.
que a inconstância e ressaca dos dias banhados de segurança, de dependência de desejos escondidos na camisola.
até porque recuperar dos corvos que rondam a alma adormecida demora algum tempo - indefinido - e as roupas abandonadas na costa ficam lá para sempre, à espera de um pretendente invernal.

07/07/2015

as coisas

As coisas que vemos são como o mar;
que muda constantemente.
mas nunca sai do mesmo sítio,
conturbado com o próprio mundo,
embalado na própria areia,
embebido no próprio vento.

Por isso coisas são ondas
que desfilam pela praia,
num passo lento.


24/01/2015

roubo

nos relevos de uma noite perdida, vi uma pequena parte de um relance teu. não te soube entender, não te soube roubar (o coração). não me soubeste educar.
tenho medo de mudar mais.
"tu mudaste mas não tive coragem de te dizer".